quarta-feira, 14 de maio de 2014

Ela me odeia



   Ela me odeia, é sério. Fez questão de me dizer. Não me liga há séculos, nem me procura há milenios. Disse que é pra eu entrar em luto porque ela morreu pra mim. E eu morro aqui imerso nessa saudade que em me deixar sequer se apressa.
   Ela me odeia, é certo, e eu não entendo essa sua necessidade de não me deixar chegar mais perto. Fez questão de construir um muro de Berlim bem no meio da nossa história que ainda era de papel, e rasgou ambas as partes como quem retalha um corpo em praça pública ou no leito de um bordel. Me anulou de vez da sua memória e, por mais que o tempo passe, é incapaz de dar a mão à palmatória.
   Ela me odeia, não há como negar. Instaurou uma distância tão infinita que só o que eu sinto por ela é capaz de mensurá-la.
   Ela me odeia pelas certezas que lhe dei, pelo cuidado que lhe dispensei, pelas mil cartas que rabisquei, mas nunca as enviei. Me odeia pela minha coragem, e pelo tudo que um dia eu dei pra recomeçar tudo do zero; pelo sexo que difere o seu amor do seu ódio. Me odeia por ter sido tudo tão intenso, e por eu ser forte o suficiente em carregar essa intensidade durante e, ainda depois, mesmo enquanto ela me odeia.
   Ela me odeia, não duvido mais. Brinca com o tempo como se guardasse para si um punhado de segundos em cada mão. Não parece ter noção da dinamicidade da vida, nem da relatividade do minuto seguinte - que pode ou não fazer parar os ponteiros da minha ou da sua existência. Cultiva magoas e confusões no quintal de sua alma e insiste em semeá-las por aí. Quis se perder de mim e faz questão de não me permitir achá-la.
   Ela me odeia, mas quer me levar à boca como um fruto proibido. Ela quer me evaporar a saliva e precipitar meu suor, mas ainda assim, me odeia. Me odeia pelas verdades ditas e pela minha resignação incompreendida. Me odeia por tê-la amado ao extremo de renunciá-la só pra vê-la feliz. Ou, pelo menos, pra vê-la feliz em achar que é feliz..
   Ela me odeia tanto que eu queria passar a odiá-la também: romper aquela linha tênue cuja dor transcende o entendimento e onde o amor se ressignifica em ódio, culminando em indiferença. Ainda bem que ela me odeia; porque é muito mais fácil suportar a falta de quem me odeia. Queria que pra mim tambem fosse fácil odiar quem eu um dia amei (e amo).

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