quarta-feira, 28 de maio de 2014

Reciprocidade


"Seria tão bom se pudéssemos nos relacionar sem que nenhum dos dois esperasse absolutamente nada, mas infelizmente nós,a gente, as pessoas, têm, temos - emoções.”
(Caio Fernando Abreu)

  Quem me conhece bem sabe: eu ainda não alcancei um nível de elevação espiritual suficiente para poder viver esse lance de “dar sem receber”. O discurso é belo, traz até um tom de heroísmo e santidade, e eu não duvido que existam pessoas que vivam-no. Mas, eu, muito particularmente, acho que reciprocidade é fundamental nas relações. Somos humanos, temos emoções, sentimentos, expectativas. Se nosso corpo depende de combustível pra manter as funções vitais (oxigênio, água, alimentação..), nossa alma também precisa ser suprida de alguma forma. Esperamos retornos. Esse sentimento de se sentir de alguma forma inserido na vida daqueles que a quem consideramos imprescindíveis na nossa vida nos move, nos impulsiona a continuar. Entretanto, nem sempre a gente ocupa o mesmo nível de importância na vida de quem a gente considera importante. Quando existe significado, a nossa vida e todos os acontecimentos dela só tomam sentido quando os partilhamos com aqueles que são de fato significantes. Quando a pessoa nos é especial, ela torna-se essencial, sempre, e em grande parte dos movimentos do nosso viver existe a presença do outro. Contudo, como citou Shakespeare, “não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam..”. Não mesmo. Mas como eu não tenho vergonha na cara, teimo em acreditar que todas as pessoas do mundo pensam, sentem e agem como eu. Doce ilusão. O mundo é cruel. A maioria das pessoas também. E não resta saída. Ou a gente mantém a inverdade de uma relação unilateral ou se acostuma com essa crueldade. E por mais que doa, prefiro a última opção.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Terminou..


   E era um medo de aprender a viver sem você, um medo de me cortar com os cacos dos sonhos que construí, medo de abrir outra ferida que, mesmo menor do que aquele talho que você deixou no meu coração, pudesse vir a sangrar mais e mais.. De me livrar da sensação de vida que aquele amor me proporcionava, de me levantar da zona de conforto na qual a ilusão me ninava, de experimentar a sensação de vácuo que o nada me traria. Eu carreguei por meses dentro de mim uma você-morta, mas era tanto medo de que doesse muito mais te deixar ir de vez do que viver suportando infinitas e lancinantes dores durante uma vida inteira, que eu fechei meu coração e meus olhos, eu fechei minha vida pra qualquer sentimento que eu pudesse vir a suprir - e nem te odiar eu consegui. Eu tinha medo de me conformar com os vazios que, além daqueles que eu já tinha, você havia me deixado como herança - ainda não sei lidar direito com faltas. E eu fugia de saber de você, de ouvir da sua vida, simplesmente porque eu preferia manter intacto aquele cenário que a naturalidade dos nossos momentos haviam erguido bem no centro da minha memória. Mas sim, eu falei muito, e chorei mais ainda. Eu escrevi centenas de milhares de linhas, eu brinquei com as palavras ao mesmo tempo que briguei com cada uma delas. Eu precisava me derramar - foi a minha forma de lidar com a perda, mas se você não quiser entender, paciência: sua opinião e tantas outras coisas, tornaram-se irrelevantes a partir do momento em que eu não te encontrei mais por aqui. "Terminou, terminou.." eu falava pra os outros, mas, lá no fundo, eu gritava pra mim. Eu precisava entender pra poder aceitar, e precisava aceitar pra, enfim, fazer findar. Eu ainda não entendi bem, posto que meu raciocínio não funciona na velocidade da luz pra poder compreender algo que acabou com a mesma fugacidade; ainda existem lacunas que impedem tal consumação, mas eu me amo muito mais do que costumo pensar, e foi por isso que eu consegui atropelar a ordem das coisas e aceitar os fatos e, em seguida, finalizar você dentro de mim, mesmo sem entender. E daí que eu to aprendendo, enfim, a viver sem você. E quero logo ter uma das sensações mais gostosas do mundo é dizer um "não querer" com a boca e subescrevê-lo com o coração. Pus fim naquilo que ja havia terminado. Terminou!

domingo, 18 de maio de 2014

Já é inverno..


  O que eu faço com esse inverno precoce? Inverno de dias parcialmente ensolarados e de noites escuras e frias. Tenho vivido pseudo-verões, pseudo-primaveras e pseudo-outonos. Lá fora, o sol e as flores por acaso aparecem, alguns pássaros se põem a cantar, as borboletas a voar, as folhas a cair, a brisa leve a soprar.. E eu fico com a impressão de que o inverno ja chegou. Mas, não. O inverno ainda não chegou. Quando eu fecho a porta e olho pela janela, eu vejo neve, eu sinto frio, vejo nuvens e céu nublado. Chove muito. E me assola a certeza de que ja é inverno.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Ela me odeia



   Ela me odeia, é sério. Fez questão de me dizer. Não me liga há séculos, nem me procura há milenios. Disse que é pra eu entrar em luto porque ela morreu pra mim. E eu morro aqui imerso nessa saudade que em me deixar sequer se apressa.
   Ela me odeia, é certo, e eu não entendo essa sua necessidade de não me deixar chegar mais perto. Fez questão de construir um muro de Berlim bem no meio da nossa história que ainda era de papel, e rasgou ambas as partes como quem retalha um corpo em praça pública ou no leito de um bordel. Me anulou de vez da sua memória e, por mais que o tempo passe, é incapaz de dar a mão à palmatória.
   Ela me odeia, não há como negar. Instaurou uma distância tão infinita que só o que eu sinto por ela é capaz de mensurá-la.
   Ela me odeia pelas certezas que lhe dei, pelo cuidado que lhe dispensei, pelas mil cartas que rabisquei, mas nunca as enviei. Me odeia pela minha coragem, e pelo tudo que um dia eu dei pra recomeçar tudo do zero; pelo sexo que difere o seu amor do seu ódio. Me odeia por ter sido tudo tão intenso, e por eu ser forte o suficiente em carregar essa intensidade durante e, ainda depois, mesmo enquanto ela me odeia.
   Ela me odeia, não duvido mais. Brinca com o tempo como se guardasse para si um punhado de segundos em cada mão. Não parece ter noção da dinamicidade da vida, nem da relatividade do minuto seguinte - que pode ou não fazer parar os ponteiros da minha ou da sua existência. Cultiva magoas e confusões no quintal de sua alma e insiste em semeá-las por aí. Quis se perder de mim e faz questão de não me permitir achá-la.
   Ela me odeia, mas quer me levar à boca como um fruto proibido. Ela quer me evaporar a saliva e precipitar meu suor, mas ainda assim, me odeia. Me odeia pelas verdades ditas e pela minha resignação incompreendida. Me odeia por tê-la amado ao extremo de renunciá-la só pra vê-la feliz. Ou, pelo menos, pra vê-la feliz em achar que é feliz..
   Ela me odeia tanto que eu queria passar a odiá-la também: romper aquela linha tênue cuja dor transcende o entendimento e onde o amor se ressignifica em ódio, culminando em indiferença. Ainda bem que ela me odeia; porque é muito mais fácil suportar a falta de quem me odeia. Queria que pra mim tambem fosse fácil odiar quem eu um dia amei (e amo).

terça-feira, 6 de maio de 2014

Amanhã ou Nunca mais


  Eu precisei te ligar pra poder me desligar. Rasgar meu peito poucas horas depois de me casar com a realidade da tua falta. Fechar os olhos, virar de costas e te jogar pra cima e pra trás. E no dia seguinte, bem cedo, tive que sepultar as cinzas de esperança que tuas promessas vãs abandonaram em mim. Eu tive que perder o medo de perder na teoria o que eu já havia perdido na prática. Eu nem sei como meu coração e como minha mente conseguiram segurar teus restos por tanto tempo, ainda que em meio a dores infernais, nem de onde eu arranquei coragem pra poder tirá-los de uma vez por todas e sem anestesia - talvez do mesmo lugar que me forneceu covardia suficiente pra não te procurar ao longo de todo esse tempo durante o qual me contentei em apenas velar nossa estória: uma estória que, num coma inimaginável de saudade, jazia inerte no berço de uma brevidade que eu teimava em não querer abreviar.
   Era mesmo preciso ligar e depois desligar pra ver do medo nascer a cura. Pra poder entender que um dia o tempo há de soprar nos nossos ouvidos se realmente nos perdemos ou sequer no achamos, apesar de termos nos encontrado por noites a fio.. Ele ainda vai gritar bem alto se aquele espaço de tempo no qual subexistimos tinha a exata medida da nossa finitude, ou se ainda sobrou algum metro quadrado de infinito que nos caiba - amanhã ou nunca mais.

domingo, 4 de maio de 2014

A-I-N-D-A


   E ainda me dói amanhecer! Recobrar lentamente a consciência, e ser invadido imediatamente pela tonelada de ausência que paira por sobre a minha vida desde o dia que você decidiu ir embora de mim. Como me dói a relatividade embutida na sua última fala e o absolutismo incrustado no que eu sinto por você. Eu grito todos os dias pra dentro o quanto eu te preciso, antes mesmo de ousar te querer, e enlouqueço a minha balança interior, simplesmente porque ela é incapaz de mensurar o tanto que você foi pra mim - e ainda é. Ainda não sei ser pleno sem você. Eu ainda ouço nossas músicas, e canto cada verso enquanto lágrimas me escorrem os olhos. Ainda conto os dias idos na esperança de acordar na manhã seguinte e poder zerar tudo de novo. Ainda quero olhar mais uma vez bem dentro dos seus olhos sem enxergar neles medo, além de desejo e prazer. Você não sabe como é lancinante a sensação de soletrar esse "ainda" ainda, e como me revolta perceber que essa falta tua não se envergonha por um minuto sequer ao demonstrar tanta incompetência em fazer minguar essa vontade; não é mesmo assim que dizem: "O que os olhos não veem, o coração não sente"? Mas se o coração sente, os olhos conseguem ver, ainda que distante. Quatro meses sem saber o que se passa dentro de você, e ainda assim, você não passa..