sábado, 4 de fevereiro de 2012

Cá fora

Cá fora as coisas são diferentes. Nem todo mundo nos ama, nem todo mundo deseja nosso bem. Nem todo mundo é igual à gente, nem igual ao que a gente tá acostumado a ver e a conviver. Nem todo mundo é confiável, nem todo sorriso é sinônimo de sinceridade e empatia, nem toda mão estendida tem intenção realmente de te levantar. Cá fora faz frio e às vezes nenhum cobertor consegue esquentar a gente. Os tombos são muito feios, incomparáveis aos tombos no pé da mesa ou na pedra do quintal. Os tapas não são aqueles em forma de palmadas na mão ou na bunda, as bofetadas não são na cara, nem os puxões de orelha são pra nos corrigir. Não são palpáveis, não machucam a carne, e às vezes a gente preferia que fosse, porque porrada no corpo dói menos que porrada na alma. Cá fora não há ninguém por nós, além de Deus e os pouquíssimos que nos amam. As noites parecem ser mais longas, os dias mais curtos. As dores são mais fortes e intensas, mas somente até nos acostumarmos com ela. Depois disso, parece que ela internaliza de tal jeito, que se torna parte de nós. A gente começa a entender o significado de muitas coisas que outrora passavam despercebidas por nós. Começa a dar valor ao professor de matemática do ensino médio, às ternas noites de sono, às tardes de bobeira na frente da TV, ao pai e à mãe, àquela cama macia e àquele almoço que, embora tivesse o cardápio repetido todos os dias, era o mais delicioso do mundo. Cá fora a gente conclui que o mundo é cruel e que, como diz Sheakeaspeare, além de destruir várias coisas em nós, ele não pára pra que a gente conserte nada. Na marra a gente aprende que, mesmo quando fazemos alguma coisa levados pela intensidade do momento, temos que arcar com a responsabilidade de uma possível consequência, e isso é muito sério, já que voltar pra consertar depois é quase impossível. Aprende que a grande maioria das pessoas são egoístas, corruptas, invejosas, pretenciosas, e que a minoria, se não caráter, tende a seguir o mesmo caminho. Cá fora a gente percebe o quão duro é ser adulto, e aprende que se a gente não conseguir gerenciar tanta confusão, a gente acaba enlouquecendo. Cá fora a gente aprende o valor da presença e da ausência. Descobre que algumas pessoas são mesmo imprescindíveis, mas que outras, realmente, não fazem falta. E que ainda existem outras que precisam estar longe para serem sentidas de perto. Percebe que a vida é um eterno ir e vir, como disse algum poeta por aí; que amigos chegam e partem, alguns porque mudaram de cidade, outros porque não se fizeram pertencer à nossa cidade interior. Cá fora a gente tem que se acostumar com a idéia de que nem todo mundo vai com a nossa cara de cara, e que o mínimo que a gente pode exigir do outro é respeito, mas sem certeza de que este nos será concedido. Aprende que as quedas fazem parte, e mais ainda: que elas são inevitáveis. Mas, relaxe! Depois da primeira, nossa atenção às pedras do meio do caminho tendem a redobrar... e não é que vai ficando cada vez mais difícil tropeçar de novo, mas sim, vai ficando mais difícil tropeçar na mesma pedra, o que não quer dizer que tropeçar na mesma seja impossível. Cá fora a gente lida com coisas tipo saudade, um sentimento que até hoje eu não sei descrever direito. Saudade vai bem além da falta em si, ela bate lá naquele lugar que a gente não consegue apontar. Não tem explicação. Cá fora, por vezes, a gente sente vontade de sumir, de ser abduzido ou voltar ao útero da nossa mãe nos dias em que nada dá certo, mas logo se toca que ET”s não existem, teletransporte também não, e que, se for pra voltar a estudar física e matemática de novo, deixa quieto! Cá fora a gente percebe que as crianças crescem e não há como conter isso nem pretegê-las por muito tempo daquilo que há de vir. Percebe que a gente envelhece e que, na verdade, quanto mais a gente vive, mais a gente morre. Cá fora sem Deus, não dá. Ou a gente se perde, ou surta ou vegeta. Cá fora Deus tem que ser a razão de viver da gente, porque só Ele nunca decepciona, nunca condena, nunca muda, nunca nega consolo. Essa instabilidade do lado de fora perturba, incomoda, dá até medo. Mas, se Ele tá com a gente, cá fora vira cá dentro; e "cá dentro" é assunto pra outro texto.

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